
Pois ao comear a escrever esta edio de Tiro Livre imaginei como Kafunga comentaria uma partida em que um dos times chuta apenas uma bola a gol em 90 minutos. Pensem bem, cronologicamente falando: uma hora e meia (e alguns quebrados dos acrscimos) de disputa e to somente uma finalizao. Uma conclusozinha em direo meta adversria e nada mais.
Imaginei Nelson Rodrigues, e sua escrita afiada, a destilar toda sorte de improprios contra um pecado capital desses. Justamente na Ptria de Chuteiras? Nelson Rodrigues no deixaria ar em brancas nuvens tal desforra ao futebol. Altamente justificvel. Ou ento a pena potica de Armando Nogueira, que sabia como pouqussimos enfileirar crticas da forma mais delicada e sensata possvel. Armando Nogueira tambm no perdoaria o autor de tal heresia. Igualmente o gnio das letras uruguaio Eduardo Galeano. Aposto que ele contestaria, com todo o seu lirismo, tal estatstica controversa. Repito: um chute a gol em 90 minutos.
Por si s, o fato leva reflexo. Mas calhou de ser em um dos templos sagrados do futebol. Que fosse num campinho de terra, j seria sacrilgio, ofensa ao esprito do esporte, s origens celestes, s razes da Academia. Contudo, foi logo no Maracan. Onde quer que estejam, Kafunga, Nelson Rodrigues, Armando Nogueira e Eduardo Galeano devem estar olhando meio de soslaio para o tcnico do Cruzeiro, Mano Menezes (foto), e questionando: como foi que voc permitiu isso?
V l que voc tenha preferncia em armar bons sistemas defensivos, Mano, e que assim tenha sedimentado campanhas vitoriosas ao longo de sua carreira, inclusive no prprio Cruzeiro – o bicampeonato da Copa do Brasil est a para provar. Mas tambm no h futebol sem fome de gol. No h ttulo sem bola na rede adversria. A defesa pode at ser o crebro do time, porm, sem um corao pulsante, sem um meio-campo bombeando sangue para o ataque, tudo ser em vo.
OK, vamos considerar que tenha sido um acidente de percurso. Fato isolado. Ponto fora da curva e todo tipo de expresso que sirva para atenuar quando algo no sai como planejado. Afinal, no faz muito tempo o Cruzeiro estava bem na temporada, com suas principais peas funcionando em alta rotao. A equipe tem potencial tcnico para mostrar mais. Conta com jogadores de calibre para defender e atacar. Mas eis que a receita, de alguma forma, tem desandado. No d para contestar.
Para sorte da Raposa, o trem saiu dos trilhos num momento em que efeitos colaterais no tm efeito to devastador. H tempo e espao para a correo da rota. No caso do confronto com o Fluminense, na noite de quarta-feira, no Rio, pela Copa do Brasil, o solitrio chute a gol teve destino preciso – foi morar no fundo da rede do tricolor. Tivesse tomado rumo desconhecido, as consequncias seriam piores. Mas naquela noite quiseram os deuses do futebol que a nica finalizao do Cruzeiro valesse mais que dezenas de chances desperdiadas. Por pouco, no garantiu uma vitria – insolente, mas ainda sim, vitria.
O empate por 1 a 1 no Rio no foi de todo mal. No essa a questo aqui. Friamente falando, um resultado bem recupervel no Mineiro. O grande problema da Raposa foi chutar apenas uma bola a gol em 90 minutos – insisto. Uma blasfmia em se tratando de um time em que no faltam armadores com expertise para alimentar o ataque e que conta com um homem-gol na rea do oponente. Fred tem mesmo precisado de um garom para auxili-lo: j so seis jogos sem balanar a rede. Mas, sem chute a gol, meu amigo, no tem fama de artilheiro que d jeito.